Quando falamos de desigualdade social, pensamos nas famílias sem renda, nas crianças em situação de fome, nas pessoas em situação de rua invisíveis à sociedade. Mas existe uma outra desigualdade, silenciosa, que acontece dentro do próprio campo da solidariedade: a desigualdade entre as ONGs.
Enquanto algumas grandes organizações recebem milhões em repasses mensais de empresas, governos e fundações, milhares de pequenas ONGs — que atuam diretamente nos territórios mais vulneráveis — sobrevivem com recursos escassos, muitas vezes dependendo apenas de doações pontuais e da boa vontade de poucos apoiadores. Essa realidade gera um paradoxo cruel: o terceiro setor, que nasceu para combater a desigualdade, acaba reproduzindo em sua própria estrutura a mesma lógica de concentração que critica.
O Paradoxo da Filantropia Concentrada
Nos últimos anos, o fluxo do dinheiro da filantropia seguiu uma rota previsível: sai das grandes corporações e chega, quase sempre, às mesmas organizações já consolidadas. Para empresas e governos, apoiar essas instituições é menos arriscado e traz maior retorno de imagem, já que elas possuem reconhecimento público, celebridades apoiando e equipes de comunicação robustas.
Mas o efeito disso é uma distorção perigosa. As grandes ONGs se fortalecem ainda mais, com mais visibilidade e mais estrutura, enquanto as pequenas, mesmo com enorme potencial de transformação, ficam à margem desse processo. Criamos, assim, uma espécie de “casta” dentro do terceiro setor: ONGs de primeira classe, celebradas e financiadas, e ONGs de segunda classe, invisíveis e sufocadas.
Quem Está na Linha de Frente
É justamente nas pequenas ONGs que encontramos o trabalho mais próximo da realidade. São elas que conhecem o nome de cada criança da favela, que estão na porta da mãe solo que não tem o que colocar no prato, que distribuem refeições em noites frias, quando ninguém mais aparece. São elas que vivem e respiram o território, muitas vezes surgindo da iniciativa de líderes comunitários que transformaram dor em ação.
No entanto, essas organizações são as que mais sofrem com a falta de recursos. Sem dinheiro, não conseguem se profissionalizar. Sem equipe, não conseguem disputar editais ou atender às burocracias exigidas. E sem acesso a esses repasses, seguem sem dinheiro. É um círculo vicioso que as condena à sobrevivência mínima, enquanto as grandes seguem crescendo.
A Armadilha da Meritocracia
Diante desse cenário, um argumento recorrente surge: “basta se esforçar que qualquer ONG pode crescer”. Mas esse discurso é a reprodução exata da lógica da meritocracia, a mesma que combatemos quando falamos da desigualdade entre pessoas.
Cobrar que uma pequena ONG, sem estrutura administrativa, sem departamentos de captação, sem marketing e com voluntários sobrecarregados na operação, alcance os mesmos resultados que uma instituição gigante, com dezenas de profissionais pagos em cada área, é ignorar a desigualdade de condições. É como exigir que um corredor descalço, carregando peso, chegue ao mesmo tempo que outro que largou metros à frente, de tênis de última geração.
Essa ideia de que “todas podem chegar lá” serve apenas como desculpa para manter o sistema de concentração de recursos como está. É mais fácil responsabilizar a pequena ONG por não ter crescido do que admitir que o modelo de financiamento atual exclui e inviabiliza quem está na base.
O Impacto Real: Quem Paga Essa Conta
O resultado dessa concentração não é apenas a sobrevivência precária das pequenas ONGs. Quem paga essa conta, na prática, são as comunidades atendidas. Famílias deixam de receber apoio, crianças ficam sem acesso a programas sociais, pessoas em situação de rua permanecem invisíveis. Não porque não exista quem queira ajudar, mas porque quem está disposto a ajudar no território não tem meios para sustentar suas ações.
A desigualdade entre ONGs aprofunda a desigualdade social no país. Ao privilegiar quem já é grande, o sistema fecha portas para o alcance de quem mais precisa.
Por Que Nada Muda?
Porque não interessa.
- Para as empresas, apoiar uma grande ONG é mais seguro e gera mais visibilidade.
- Para os governos, repassar milhões a poucos parceiros é mais prático do que descentralizar e fiscalizar milhares de pequenas instituições.
- Para a sociedade, é mais confortável acreditar que as grandes já “resolvem o problema”.
Esse círculo de conveniência fortalece quem já tem recursos e poder, e sufoca quem mais luta na base.
Caminhos Para Reduzir a Desigualdade Entre ONGs
Se quisermos de fato combater a pobreza e a fome, precisamos também combater a desigualdade dentro do terceiro setor. Isso exige medidas estruturais:
- Editais simplificados e fundos de apoio direto às pequenas ONGs, com menos burocracia.
- Descentralização de recursos, garantindo que empresas e governos financiem também iniciativas de base.
- Capacitação acessível em gestão, captação e prestação de contas para organizações menores.
- Parcerias justas, em que grandes ONGs repassem parte dos recursos recebidos para quem está no território.
- Valorização do impacto real, medindo não apenas números grandiosos, mas o efeito concreto na vida das pessoas.
Conclusão: Um Terceiro Setor Mais Justo
A desigualdade entre ONGs é um reflexo da mesma lógica que gera desigualdade entre pessoas: poucos com muito, muitos com quase nada. Se quisermos falar em justiça social de verdade, precisamos reconhecer que também no campo da solidariedade há concentração de poder e de dinheiro.
Não adianta combater a pobreza com discursos bonitos enquanto a estrutura de financiamento privilegia sempre os mesmos. É preciso coragem para mudar, descentralizar, acreditar no poder das pequenas ONGs e valorizar quem faz diferença real no território.
Sem isso, estaremos apenas repetindo no terceiro setor aquilo que juramos enfrentar na sociedade: um sistema que alimenta desigualdades em vez de superá-las.
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