Durante o século XIX, o Rio de Janeiro, então capital do Império brasileiro, enfrentava sérios desafios de saúde pública devido às constantes epidemias que assolavam a cidade. O cólera, a varíola e a febre amarela eram apenas algumas das doenças que se espalhavam rapidamente, especialmente durante os meses de verão, devido às condições sanitárias precárias do espaço urbano. Em resposta a essas crises de saúde, emergiu o conceito de higienismo urbano, apresentado como uma solução para a erradicação desses problemas.
No entanto, as medidas adotadas pelo governo imperial para lidar com a situação foram marcadas por uma abordagem repressiva e autoritária, em vez de um investimento significativo em saneamento básico. O foco principal recaiu sobre as habitações coletivas da cidade, conhecidas como cortiços, onde as condições de higiene eram especialmente ruins devido à falta de sistemas adequados de coleta de esgoto.
Os médicos e intelectuais da época, conhecidos como sanitaristas ou higienistas, desempenharam um papel crucial na identificação dos problemas e na formulação de soluções. No entanto, suas abordagens muitas vezes transcendiam questões puramente médicas, assumindo uma dimensão social e moral ao vigiar os comportamentos individuais, visto que as doenças eram consideradas resultado direto do ambiente habitacional da população.
A resposta às crises de saúde frequentemente implicava em medidas de “limpeza” desses ambientes, embora durante o Império essa noção não tenha atingido os extremos observados posteriormente, como a expulsão da população pobre do centro da cidade. No entanto, medidas repressivas e de fiscalização já estavam em vigor desde a década de 1850, com a criação da Junta Central de Higiene e regulamentações da Câmara Municipal da Corte.
Essas medidas não visavam necessariamente a melhoria das condições de vida da população mais pobre, mas sim o controle e a repressão por meio das forças policiais. A preocupação da elite brasileira com o que consideravam a “classe perigosa” da sociedade era evidente, não apenas em termos de ordem pública, mas também de suposto perigo de contágio e transmissão de vícios.
É importante compreender que as propostas de higienização urbana do período carregavam consigo uma carga significativa de preconceitos sociais e morais, tratando questões sociais complexas como problemas puramente sanitários. Assim, a abordagem predominante para lidar com os desafios de saúde pública durante a formação do Estado brasileiro não consistia em melhorias efetivas nas condições de vida, mas sim na repressão e na vigilância por parte das autoridades.
* Texto criado com base no artigo de Tales Pinto, publicado em “Higienismo urbano e exclusão social no Império“.